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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014, 1h32

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Retaliação no caso do algodão

  O Brasil não só pode como deve, precisa e tem o direito de retaliar os Estados Unidos no caso do algodão. Com a suspensão parcial ou integral das parcelas de pagamento do contencioso desde setembro, nos últimos cinco meses o país deixou de receber mais de US$ 50 milhões. E se havia alguma esperança […]

 

O Brasil não só pode como deve, precisa e tem o direito de retaliar os Estados Unidos no caso do algodão. Com a suspensão parcial ou integral das parcelas de pagamento do contencioso desde setembro, nos últimos cinco meses o país deixou de receber mais de US$ 50 milhões. E se havia alguma esperança de que os americanos voltariam a efetuar os depósitos, com a aprovação da nova Farm Bill, a lei agrícola dos Estados Unidos, é melhor não alimentar expectativas. Porque o Congresso daquele país sequer considerou essa hipótese nas discussões que levaram à formulação da lei.

O novo texto, aprovado pelos deputados em 29 de janeiro e pelos senadores em 04 de fevereiro, segue para sanção do presidente Barack Obama. Ele trata prioritariamente da redução ou remanejamento dos recursos federais para a agricultura. Um cenário que reduz os subsídios e o pagamento direto aos agricultores do país. Na prática, a nova versão da Farm Bill, com orçamento de US$ 956 bilhões, para cinco anos, representa um avanço no combate aos subsídios pagos pelos Estados Unidos, o que será positivo para o Brasil. O que não significa, necessariamente, que as distorções no comércio agrícola internacional vão acabar.

Por outro lado, se a nova política americana revê, de fato, a concessão de subsídios, ela não garante, por hora, o compromisso com passivos. O orçamento menor também limita o pagamento a terceiros, situação onde se encaixa o contencioso a que têm direito os produtores brasileiros de algodão. Então, se por um motivo ou outro, político ou comercial, a Camex (Câmara de Comércio Exterior) relutava em autorizar a retaliação no caso do algodão, acredito que não restam mais dúvidas. É preciso retaliar.

Vitória do Brasil na OMC mudou a velha norma de não punir países ricos por dar subsídios ilegais

O tema foi pauta da última reunião da Camex de 2013, no dia 18 de dezembro. Na ocasião o governo definiu data e medidas para a retaliação, com impacto na alíquota do imposto de alguns produtos importados dos EUA e na área da propriedade intelectual. Ao anunciar possíveis reações, mas sem implementá-las de imediato, a intenção do governo brasileiro era chamar os EUA para uma negociação, o que não ocorreu. Agora, o setor espera, de fato, pela retaliação. Uma reação que pode ser anunciada em 28 de fevereiro, data da próxima reunião da Camex.

A história do contencioso teve início em julho de 2002, quando o Brasil acionou a Organização Mundial do Comércio (OMC), que estabeleceu um painel acerca da ilegalidade dos subsídios oferecidos pelo governo dos EUA. A base legal era que tais subvenções estavam em desconformidade com os princípios do livre comércio. Em 2005, a OMC decidiu pela ilegalidade dos subsídios e determinou um prazo para que os Estados Unidos os eliminassem. Esta decisão foi confirmada no Órgão de Apelação e os Estados Unidos foram condenados a pagar ao Brasil uma compensação pelo prejuízo dos cotonicultores brasileiros durante quase um século.

A decisão, concedendo vitória para o Brasil estabeleceu um pagamento anual de US$ 147 milhões, pouco mais de US$ 12 milhões/mês. Trata-se de um paradigma no Sistema de Solução de Controvérsias da OMC, não somente pela enorme repercussão no mercado internacional, mas sobretudo pela carga política da decisão. Contudo, em setembro o Departamento de Agricultura (USDA) cortou mais da metade do pagamento mensal devido ao Brasil. Posteriormente, a partir de outubro, suspendeu o pagamento de forma indefinida, simplesmente descumprindo a decisão da OMC.

 

 

O acordo para o início do pagamento do contencioso americano somente se deu um dia antes do início da vigência da Resolução 15 da Camex, que sobretaxaria de 12\% a 100\%, a título de retaliação, mais de 10 produtos dos Estados Unidos importados pelo Brasil. Por decorrência lógica, não faz sentido o Brasil não decidir pela retaliação agora. Entende-se o receio político do governo brasileiro de retaliar um dos nossos mais importantes parceiros comerciais. Mas agora não há como ficar no meio do caminho.

O país, por meio da força, da visão e do poder de articulação política e financeira do setor cotonicultor, foi ousado em abrir um painel contra a nação mais poderosa do mundo. Por este motivo, conquistou uma vitória auspiciosa, que mudou a lógica até então do sistema multilateral de comércio, de falta de punição ou compensação pelos subsídios agrícolas ilegais concedidos pelos países ricos. Não faz sentido que, agora, depois de todo o esforço e de seguidas vitórias, o governo mude a sua postura e simplesmente decida por uma situação mais cômoda e política de não retaliação.

Os produtores de algodão e a sociedade brasileira esperam a retomada dos pagamentos ou então a retaliação. O governo brasileiro acreditou que era possível derrotar a maior potência econômica que não estava respeitando os direitos da agroindústria nacional e por isso fez história na OMC. A vitória foi muito difícil. Quando o litígio ainda não tinha terminado, mas o dinheiro para financiar o caso sim, os cotonicultores chegaram a rifar tratores para subsidiar as despesas do caso e de honorários de advogados (americanos por sinal).

Retaliar então é fazer uso de um direito, de uma prerrogativa garantida em ação vitoriosa e histórica patrocinada pelos cotonicultores junto à OMC. É, no mínimo, zelar pela equidade nas relações comerciais no âmbito internacional. Mais do que isso, é preservar e respeitar a condição do produtor brasileiro à competitividade justa e leal em um mercado que, historicamente, privilegia os países ricos por meio de pesados subsídios agrícolas.

Pelo menos a priori a negociação é sempre o melhor caminho. Desde que, neste caso, ela represente a retomada dos pagamentos. Caso isto não ocorra, a retaliação é a única forma do setor receber justa compensação pelos prejuízos históricos que continua tendo com a política agrícola americana. Aguarda-se, portanto, a retaliação. E todas as mudanças e quebras de paradigma que ela possa trazer.

 

 

Fonte: Valor Econômico

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