No início da década de 1990, o estado do Paraná assumiu a primeira posição na produção nacional de algodão, com mais de 700 mil hectares plantados.
Ao mesmo tempo que atingiu a safra recorde em 1991/92, o declínio da cotonicultura paranaense começou, e de forma muito rápida, até o quase desaparecimento desta cultura no estado. Os motivos dessa redução drástica foram:
- excesso de chuva na colheita de 1992, com a germinação das sementes dentro dos capulhos;
- grande perda da produtividade;
- deteriorização da qualidade da colheita manual;
- dificuldade de convivência com o bicudo
A perda da rentabilidade e competitividade trouxeram prejuízos aos produtores e a substituição da área plantada pela soja.
Estima-se que 300 mil empregos na área rural foram perdidos e 85 algodoeiras desativadas e vendidas, com crescente êxodo rural dos pequenos produtores.
Mesmo sem cotonicultura, levantamentos de 2014 estimam que o parque têxtil do Paraná consuma 60 mil toneladas de pluma anualmente. Existem ao menos 10 fiações e 7 tecelagens trabalhando com matéria prima trazida principalmente do cerrado do Brasil. Para suprir esse consumo, seria preciso o plantio de 50 mil hectares de algodão no Estado.
Segundo dados do governo federal, estima-se que na safra de 2014/2015 foram plantados apenas 900 hectares, com produtividade de 903 kg/ha de algodão em caroço. Quase toda produção margeia a divisa com o Estado de São Paulo, com a produção comercializada com algodoeiras desse estado vizinho.
Desde 2001, com a criação da ACOPAR – Associação dos Cotonicultores Paranaenses, começaram a ser executados projetos de pesquisa de novas tecnologias de plantio, com avaliações técnicas, econômicas e climatológicas, com objetivo de se evitar a repetição dos problemas e prejuízos do passado.
Visão: “Ser um ponto de referência para o produtor de algodão paranaense.”
Missão: “Desenvolver, aprimorar e garantir meios para que o produtor de algodão paranaense esteja inserido no mercado.”
A ACOPAR busca identificar produtores inovadores; auxiliar na escolha de cultivares transgênicas modernas; no controle eficiente do bicudo e na colheita mecanizada para suprir a atual escassez de mão-de-obra no campo
Projeto: Viabilidade Técnica e Econômica de um novo modelo para retomada do algodão no Paraná
O projeto busca identificar, demonstrar e motivar os produtores, de algumas regiões do Estado do Paraná, para retomarem a cotonicultura em um modelo menos vulnerável, com avaliações técnicas, econômicas e climatológicas que evitem os problemas e prejuízos do passado.
Objetivos:
- Criar condições institucionais para a ACOPAR mobilizar os atuais e potenciais produtores de algodão no estado;
- Implantar e conduzir Unidades Demonstrativas – UD de algodão no modelo safrinha;
- Treinar parceiros e produtores em novas tecnologias de produção e colheita de algodão no Paraná;
- Efetuar visitas técnicas acompanhadas por parceiros;
- Realizar "dia de campo" de algodão, sendo um a cada safra, durante os três anos de projeto;
- Elaborar estudo de viabilidade técnica e econômica do algodão safrinha no Paraná, tendo como base os dados levantados nas unidades demonstrativas
- Diagnosticar a situação da cotonicultura no Estado do Paraná, nos anos inicial e final do projeto.
Ações:
Na safra 2014/2015, a ACOPAR iniciou trabalhos em oito unidades demonstrativas (UD) de um alqueire cada, com o intuito de avaliar o modelo do “algodão safrinha”, tecnologia usada nos Estados de Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul. Para isso, usou novas tecnologias, que diferem do modelo de produção usado no estado em períodos anteriores.
Entre as desafios que surgiram estão a definição da melhor variedade do algodão e o melhor período para o início da safra denominada “safrinha” no Paraná.
“Buscamos oferecer um novo olhar para a produção do algodão no Paraná, baseado em um negócio seguro, do ponte de vista do cultivo, manejo e colheita e quanto ao retorno do investimento” – Almir Montecelli – presidente da ACOPAR
Entre os ajustes no novo modelo, foram considerados os seguintes fatores:
- uso de cultivares transgênicas de segunda geração para permitir a convivência com a 'helicoverpa armígera';
- controle eficiente do bicudo;
- colheita mecanizada para suprir a escassez de mão-de-obra;
- ajustar a época de semeadura e o período do vazio sanitário;
- zoneamento de riscos climáticos
Baseado nos dados que vamos obter nas unidades demonstrativas, nos vamos aperfeiçoar para as safras dos próximos anos – Eleusio Freire – consultor do IBA/ACOPAR
Primeiras lições aprendidas na Safra 2014/2015
Foi identificada a necessidade de cultivares mais precoces, de ciclos mais rápidos e resistentes à mancha-de-alternária e nematóide, bem como ficar atento à deriva de herbicidas utilizados na dessecação de outras lavouras. Sobre o algodão safrinha, verificou-se:
- Quando plantado em FEVEREIRO alonga o ciclo, reduz a produtividade e qualidade de fibras e tem maior riso de geada. Sendo assim, não possui viabilidade técnica e econômica em solos de baixa fertilidade;
- Em solos de MÉDIA produtividade apresenta rentabilidade positiva e superior ao milho e trigo
Unidades Demonstrativas
Na safra 2014/2015 foram implantadas oito unidades demonstrativas de algodão nos municípios de Santa Amélia, Cambará, Goioerê, Assaí e Guaíra, com 19,2 hectares plantados. Já em 2015/2016, foram 13 UDs, também em cinco municípios, com um total de 21,8 hectares.
Cambará-PR
Está localizada no Instituto Agronômico do Paraná – IAPAR / Estação Experimental Luiz Natal Bonin, Na safra de 2015/2016 a área total cultivada atingiu oito hectares, correspondentes a quatro unidades demonstrativas. No total estão sendo analisadas a precocidade e resistência de cultivares de 16 variedades.
A expectativa é de uma colheita de 290@/hectare, sendo que é a primeira vez que a colheita será realizada mecanicamente. Em visitas realizadas antes da colheita, foi observada a contagem de 16 maçãs.
Vale destacar que a parceria com o IAPAR é fundamental, ao ceder a terra, pessoal, máquinas, equipamentos e pulverizadores, além de ceder um galpão para guarda da colheitadeira adquirida pela ACOPAR.
"O algodão é uma fonte alternativa para diversificar a produção do Estado, o desafio é conseguir o engajamento das cooperativas e assim, dos cooperados” – João Edino – administrador da Estação Experimental
Um resultado não previsto no projeto, mas que se tornou um dos efeitos mais importantes dele, é o envolvimento dos alunos do Centro Estadual de Educação Profissional Agrícola Mohamad Ali Hamzé, localizado ao fundo da UD de Cambará. São 300 alunos que acompanharam as visitas técnicas e participaram dos “dias de campo”. Além de poderem ter a prática bem em frente da Escola, os alunos contam com a orientação do consultor do IBA/ACOPAR, e um dos principais consultores da cotonicultura brasileira, Dr. Eleusio Freire. Ali pode nascer uma nova mão de obra especializada para o algodão paranaense.
Sertanópolis-PR
A unidade está na Fazenda Nossa Senhora Aparecida, do Sr. Milton Martinez. Foi cultivado um hectare, sendo a primeira colheita feita de forma mecânica, com a colheitadeira adquirida pela ACOPAR.
Não foi apresentada ocorrência de captura de bicudo, mas sofreu ataques de percevejo, em razão da colheita de soja e da proximidade da unidade com os restos culturais da soja. A expectativa de colheita foi baixa pelo volume de chuvas ocorridas no primeiro semestre de 2016.
"Para o inverno, aqui em Sertanópolis-PR, é uma opção a mais para se fazer rotação de culturas, já em Cidade Gaúcha, onde nós temos bovinos, seria uma ótima opção para reforma de pastagem no arenito" – Milton Martinez, produtor
Com os prejuízos na safra de milho com a estiagem de mais de 30 dias, a Fazenda Nossa Senhor Aparecida teve perda a perda nessa safra de 20\%, apontando para diminuição da produtividade da cultura milho. Isso reforçou a expectativa favorável do produtor.
As colheitas de algodão no Paraná sempre foram feitas de forma braçal, com mão de obra terceirizada oriunda das lavouras de café, que colhiam algodão extremamente contaminado conhecido como colheita "no rapa" resultando em desafios elevados na comercialização
Com a aquisição da colheitadeira pela ACOPAR, o novo algodão paranaense conhece tecnologias não usadas no passado.
Alto Piquiri-PR
Nesta unidade estão sendo cultivadas três unidades, com um total de dez hectares. Os testes são com 3 variedades, com a expectativa de colheita de 200@/ha. Este baixo índice se dá pelo acúmulo de falhas nas linhas e a incidência de "cavitação", decorrente de variedades transgênicas.
A fazenda é voltada para a pecuária. O encarregado, Sr. José Aparecido, lembrou que o proprietário já foi produtor de algodão, mas atualmente engorda 450 bovinos, apesar de já ter confinado mais de 1 mil cabeças. A diminuição é decorrente dos custos de produção elevado, e pela falta de pastagem reformadas, que inviabilizam a alta densidade de animais na área.
No total, são 280 hectares de pastagens degradadas para serem recuperadas, e o algodão se apresenta como a melhor alternativa.
Guaíra-PR
Localizada na Fazenda Regional Guaíra, a unidade é apoiada pela Cooperativa Integrada, com o fornecimento de modernos equipamentos de manejo, como plantio direto e agricultura de precisão, além de insumos, grãos e oferta de serviço de extensão.
São quatro unidades demonstrativas com previsão de 200@/ha. No local foram observadas incidência de insetos e abelhas.
Ajuste da época de semeadura
Para determinar a época ideal para o plantio do algodão é preciso analisar os riscos climáticos detalhadamente para a semeadura, desenvolvimento, floração e maturação.
Técnicos e consultores utilizam as medições históricas de precipitações e de temperaturas extremas mínimas e máximas de cinco estações meteorológicas do IAPAR: Joaquim Távora, Bandeirantes, Londrina, Paranavaí e Umuarama.
Com esses dados, se pode quantificar os riscos de ocorrência de geada, veranicos, déficit hídrico e excesso de chuvas na colheita para os meses de cultivo da cultura. O objetivo é possibilitar tal colheita no mais tardar no mês de maio.
Com esses dados há a possibilidade de chegarmos a um ajustamento da época de plantio. Cada região mostra resultados diferentes, uma permite o plantio mais tarde, outras precisam ser um pouco mais cedo. Permite que tenhamos um mapa de riscos climáticos – Ruy Seiji Yamaoka – técnico do IAPAR
O vazio sanitário
Os estudos dos riscos climáticos mostram a possibilidade da colheita do algodão acontecer nos meses de julho e agosto. Com isso, surge a necessidade da alteração do vazio sanitário que era estipulado de 10 de julho a 20 de outubro.
Em 17 de março, saiu a Portaria nº 65, estipulando o novo período: 1º de setembro a 30 de outubro, consequentemente é o período que:
- é proibido cultivar ou implantar cultivos algodão, bem como manter ou permitir presença de plantas vivas de algodão, em qualquer fase de desenvolvimento
- se deve destruir os restos de cultura do algodão, plantas vivas ou remanescentes.
Forte alternativa
Períodos de longa estiagem interferiram no período de plantio da soja no estado, inviabilizou o plantio do milho, consequentemente, trouxe prejuízos nas receitas dos produtores. A resistência do algodoeiro à estiagem, comparado ao milho e ao trigo, sem alterar a produtividade, faz com que o algodão seja visto como uma alternativa para a pós colheita da soja no estado.
O baixo custo de produção do algodão no Paraná, correspondente a menos de 50\% dos custos praticados nas principais regiões do cerrado, e as baixas populações do bicudo detectados no Paraná, indicam uma oportunidade para a produção do algodão no Estado.
Mas para isso, é preciso adotar todas as tecnologias disponíveis: plantio direto, biotecnologia, rotação de culturas, manejo integrado de pragas e tecnologia aplicada. É preciso construir fertilidade do solo, com homogeneização dos talhões, e assim aumentar a produtividade e reduzir o custo unitário de produção.
Paranaenses algodoeiros, olham com carinho para o futuro
Vídeo com o áudio de produtores e pesquisadores sobre a retomada do algodão no Paraná
Fábio Rodrigues Ferreira
Cambará-PR
De família de produtores de algodão, foi um dos últimos a deixar a cotonicultura, ainda no início dos anos 2000. O sorriso sempre estampado, com os olhos sempre brilhando, Fábio mostra uma alegria plena na possibilidade de voltar a plantar algodão.
Pergunta: Qual a sua história com o algodão?
Resposta: Meu pai foi pesquisador de algodão de 1961 até o início da década de 1970, na Secretaria de Agricultura. Eu junto com o Almir Montecelli (ACOPAR) plantamos algodão aqui pela Coceal – Cooperativa Central do Algodão. A última tentativa foi em 2003, quando paramos. E agora, uma vontade doida de plantar algodão.
P.: Dá para ver que os olhos estão brilhando com a possibilidade de voltar a plantar?
R.: Agrônomo, filho de agrônomo e filho fazendo agronomia, só pode gostar de algodão.
P.: Boas perspectivas para o futuro?
R.: O algodão teve seus anos dourados em 1970, 1980. Depois com o advento de causas trabalhistas, junto com isso o bicudo, as dificuldades com chuvas, solo se empobrecendo com o tempo, nematóides… Daí foi o fim do algodão. Preços baixos, dificuldades de manejo. Com essa nova pesquisa, trabalhando com algodão resistentes à nematóides, com colheita mecânica, abre um novo horizonte. Ainda mais com três tipos de épocas de plantio, com a gente podendo escolher isso, dentro da legislação de zoneamento, faz com que possamos pensar novamente na cultura e volte a plantar essa maravilha, que nós estamos olhando aqui.
P.: Vocês chegaram a trabalhar com máquinas anteriormente?
R.: Sim. Nós tivemos um projeto na Coceal que o Almir Montecelli encabeçou. Nós fizemos uma parceria que vinha com colhedora automotriz. Foi bem, mas nós tínhamos problemas de chuva na colheita. O preço foi ruim e acabamos abandonando a cultura. Voltando agora com a colheita mecanizada e com a máquina já disponibilizada pelo projeto, vai impulsionar e acredito que essa máquina vai ter os 500 alqueires para colher, os 1.200 hectares e com certeza vai ser a primeira de muitas.
P.: As parcerias podem ajudar a criar uma nova mão de obra especializada no estado do Paraná?
R.: Todos os fatores são positivos. O Colégio Agrícola aqui do lado fornecendo mão de obra fresca, o IAPAR com área para poder fazer os experimentos. O algodão absorve mais mão de obra do que soja e do que milho, mesmo sendo tudo mecanizado. Isso faz com que tenhamos essa cultura com maior uso de mão de obra, e entrando com uma segunda cultura, intercalando com soja, milho ou pastagem, agregando e fazendo com que tenhamos mais gente nas fazendas, no campo.
P.: Tecelagem do Paraná, com algodão do Paraná?
R.: É o futuro.
Mauro Bertolini
Cambará-PR
Outro produtor que durante muitos anos produziu algodão no norte do estado. Mauro tem boas expectativas à médio prazo da retomada do algodão paranaense.
Pergunta: Olhar para esse algodão aqui na sua cidade, qual o sentimento que vem?
Resposta: Olho para esse algodão com muito saudosismo. Para se ter uma ideia, tivemos aqui na região, na cidade de Cambará-PR, um time de futebol que nasceu na cultura do algodão, que o emblema dele era a pluma do algodão aberta. Era a Sociedade Esportiva Matsubara, que revelou muitos craques pelo Brasil afora. Era patrocinado por um produtor de algodão, que plantava aqui em frente de onde estamos falando. Sou engenheiro agrônomo, comecei a trabalhar com algodão em 1988. Tinha muitos produtores de algodão nessa região, que com o tempo foram diminuindo, que acabaram migrando para outras culturas. Era uma cultura que nós, como agrônomos, trabalhávamos cuidando de bicho, pragas, ervas daninhas… Era muito gostoso, por isso que vejo com muito muitas saudades.
P.: Acordava e ia dormir pensando no algodão?
R.: Era brigando em cima do bicho. Era gostoso.
P.: Perspectivas boas?
R.: É uma cultura viável para a região. Produz bem aqui. Temos um solo próprio para isso, o perfil adequa bem na região. E agora com tecnologias novas, com colheita mecanizada, com plantio direto. Tudo isso, se voltar, tem chance de dar certo.
P.: E na família tem mais gente interessada?
R.: Tenho um filho que está seguindo na profissão. Ainda está estudando. Para ele tudo isso é novidade. Da última vez que plantamos ele tinha 5, 6 anos. Lembra das fotos, lembra da fase de colheita. Quem sabe não vai ser o futuro para ele.
P.: Parcerias com escolas técnicas são importantes?
R.: Senti que os alunos daqui se empolgaram. Principalmente com o sistema rotacional, com outras lavouras que estamos usando na região. Sempre a pesquisa fomentando isso, trazendo novos conhecimentos, vai colher frutos lá na frente.
P.: Sobre as pesquisas, qual o papel no processo?
R.: Como foi na entrada da cultura do milho, substituindo o trigo, que teve uma época muito ruim de preço. Acredito que o algodão, com as alternativas das pesquisas, que busca a melhor época de plantio, se será viável ou não. Com tudo isso acho que o algodão será uma opção boa, que vai ser viável aqui na região. O produtor de Cambará-PR sabe plantar algodão, já plantou muito lá atrás. Só parou por causa do sistema que usávamos antigamente. Hoje com esse maquinário, principalmente para a colheita, porque para o plantio dá para usar o mesmo equipamento que já tem. Só a colheitadeira que será diferente. Acredito que é uma opção para o nosso inverno. Estou torcendo para que dê certo.
P.: Tecelagem do Paraná, com algodão paranaense?
R.: Daí fica melhor ainda. Nós tínhamos três algodoeiras na década de 1990, que pararam. Somente no município de Cambará-PR. Geravam emprego, renda. Isso parou.
P.: E como ficaria a questão do beneficiamento do algodão?
R.: Teria que fazer algo. Temos alguma coisa na região, que a nossa cooperativa tem próximo. Mas não tem mais no município, infelizmente. Os municípios de Cambará_PR, Andirá-PR e Bandeirantes-PR sempre foram algodoeiros. Se aproveitarmos esses campos para pesquisa, acho que isso irá viabilizar a cultura.
José Roberto Santos
Nova Santa Bárbara-PR
Presidente da Associação dos Agricultores de Nova Santa Bárbara-PR, José Roberto é um exemplo de produtor familiar, de pequena área de cultivo, que mostra a importância da retomada do algodão para esse perfil de agricultores.
Pergunta: O senhor já plantava algodão?
Resposta: Me criei praticamente no algodão. Sou agricultor familiar e naqueles tempos o algodão dava bem, e nós gerávamos dinheiro. Trabalhava a família inteira com algodão, mas por causa do bicudo ficou inviável. O algodão parou e então plantamos soja.
P.: Quando vocês pararam com o algodão?
R.: Nos paramos em 2000. Daí foi fraquejando, não foi dando mais, o bicudo atacou e a turma mudou para soja e trigo. Só que a soja, para quem tem uma área grande ganha dinheiro, quem tem pouca já não livra. E o algodão para quem tem pouca área era viável, vivia bem. Vivia tranquilamente com a sua família. Quem tinha família grande, trabalhava bastante, tinha dinheiro, tinha renda.
P.: Dá para pensar em voltar com a cultura?
R.: Nós viemos hoje ver sobre isso. Se for bom, nós vamos plantar. Vamos ver. Se o preço estiver bom. Nós temos vontade de retornar. É uma coisa boa e dá dinheiro.
P.: E mudou muita coisa de 15, 20 anos atrás?
R.: Não era plantio direto. Nós usávamos uma plantadeirinha no trator. O plantio hoje mudou. Para apanhar era tudo com pessoal, de forma manual. Hoje está tudo com colheitadeira. Hoje não está mais braçal.
P.: Expectativa boa para o futuro?
R.: Hoje em dia as coisas mudam muito, está tudo globalizado. Depende do preço. Tem hoa que alguma coisa não dá renda. Nós que somos produtores temos que mingar para outras culturas. Mas eu acho que o algodão está com uma boa expectativa. Temos que plantar para ver. Temos que tentar.
Além do projeto: uma nova mão de obra no Paraná
Desde 2010, o Centro Estadual de Educação Profissional Agrícola Mohamad Ali Hamzé, está localizado na estação experimental de Cambará-PR do Instituto Agronômico do Paraná – IAPAR. Com essa proximidade, os cerca de 300 estudantes podem acompanhar o projeto de viabilidade técnica e econômica de um novo modelo para a retomada do algodão no estado.
A unidade demonstrativa está localizada bem em frente ao colégio, o que permite que os procedimentos de verificação das recomendações de manejo, da uniformidade de canteiros, de surgimento de novas pragas e doenças, e outras atividades, estão ao alcance de jovens estudantes que, pelo perfil etário, não conheceram a cotonicultura.
Leila Cristina Messias
Diretora Geral da Centro Educacional Mohamad Ali Hamzé
Pergunta: Qual a importância da parceria da Escola Agrícola Mohamad Ali Hamzé com as pesquisas de retomada do algodão no Paraná?
Resposta: É muito importante essa parceria com o IAPAR. É muito interessante para nós, poder trazer essa proximidade do aluno com as novas tecnologias e com o mercado. É a segunda palestra que o IBA, juntamente com o IAPAR, fez aqui no colégio. Os alunos amaram muito. O enriquecimento é muito grande, com certeza. O conhecimento que eles tem na sala de aula é teórico, ver na prática acrescenta muito. Nós temos outra questão. Há alunos que gostam mais da agricultura do que da pecuária. E quando foi falado da integração da agricultura com a pecuária foi muito interessante porque é um trabalho que nós já fazemos. Às vezes o aluno passa por esse setor que é estritamente pedagógico para um colégio agrícola e ele não valoriza muito, não consegue ver esse diferencial. A partir do momento que tem algo que elenca à prática, isso com certeza irá enriquecer muito o aprendizado. Nós queremos muito ter essas parcerias e trazer os alunos para essas novas tecnologias. Às vezes a escola por si só não dá conta, as parcerias são muito importantes nesse sentido. Esse ano estamos com uma interação muito maior nesse sentido. Isso é muito bacana. Nós deixamos o colégio a disposição.
P.: Renasce uma mão de obra especializada em algodão no estado?
R.: Com certeza. Os alunos tem a possibilidade de levar tudo isso para os pequenos produtores da região. A maioria dos nossos alunos vem da área rural, são filhos de produtores. Então isso é muito importante. Todos os eventos que promovemos aqui na escola, observamos que os alunos levam conhecimento para as famílias. Elas vêm e comentam que os filhos levaram coisas novas. Percebemos que essa é a diferença. Nós temos a condição de ver o aluno quando ele entra, e a maneira que ele sai. Esse acompanhamento é muito interessante. Eles chegam com carinhas de menininhos, e quando eles saem no terceiro ano, percebemos que essa evolução é muito grande. É muito gratificante acompanhar esse processo. E vemos que na prática tem efetividade, considerando o êxodo rural, a dificuldade que as famílias têm de permanecerem com negócios. Isso é muito importante. Observamos que a maioria dos alunos vai para a área da agronomia, ou da medicina veterinária, do agronegócio. São poucos que diferem, que vão trabalhar em outras áreas, por necessidade, por não conseguirem dar prosseguimento ao estudo.
P.: Algodão de volta ao Paraná?
R.: Pois é… O algodão voltando. Hoje as crianças não conhecem mais. Na minha época nós conhecíamos, fazíamos de tudo para estar lá. Fazíamos atitudes beneficentes, colher para doar para alguém. Nós participávamos disso. Hoje não. O que os nossos filhos com as novas tecnologias conhecem? Nada. Isso aqui para mim, de ver o algodão, é muito legal. Não sou agrônoma, mas gosto demais disso aqui.
Maria Vitória
Aluna do Terceiro Ano do Centro Educacional Mohamad Ali Hamzé
Pergunta: Como você veio para a Escola Agrícola?
Resposta: Eu sou do Amapá, mas minha família toda é daqui. Meu avô foi da fazenda São Francisco. Chama Paulo Nogueira. Nós acabamos conhecendo a escola, porque meu primo veio para cá. Eu vim junto. Sempre gostei dessa coisa de natureza. Foi a coisa mais próxima que encontrei. Entrei e gostei do curso. No primeiro ano nós aprendemos muitas coisas referentes à plantas, animais. Acabei ficando e gosto daqui.
P.: Como aluna de um curso técnico, como é ver a retomada do algodão no estado?
R.: Pôxa, poder ver a tecnologia que se tem hoje, que nós temos hoje. É um avanço para o Paraná todo, principalmente para a nossa região norte. Os produtores de Cambará-PR, da comunidade próxima da escola. Abre portas. Também para nós que somos futuros técnicos, é excelente ver todo o funcionamento, o plantio de algodão aqui em frente da escola. Poder ver a colheita é bacana.
P.: É bonito?
R.: Muito bonito. Nunca tinha visto antes, não tem na nossa região. Está sendo introduzido, a cultura, tudo. Poder ter isso aqui do lado faz com que nós possamos sobressair no sentido de poder participar. Os palestrantes também nos ensinaram muito. A importância social que tem o algodão, que já foi muito forte na nossa região. Hoje nem tanto. Esse reinvestimento… Grande parte dos alunos que assistiram as palestras moram em sítios. É muito interessante.
LAVOURA X PECUÁRIA
Integração possível com a cotonicultura
Sérgio José Alves
Pesquisador da Unidade Experimental de Xambrê-PR do IAPAR, especialista da integração de lavoura e pecuária, afirma que a cotonicultura pode ter bons resultados com a metodologia.
Pergunta: Integração Algodão x Pecuária, é possível pensar nisso?
Resposta: Vinte anos de pesquisa de integração lavoura x pecuária no estado inteiro. Num primeiro momento começamos trabalhar em áreas de soja, que tinha “riviada" que não dava para fazer milho safrinha, então começamos a pensar em ter uma espécie de forrageira de inverno que pudesse servir de diversificação para soja. Bom, vinte anos andando dentro da área de agricultura, começamos a mostrar que melhorou o solo, começamos a construir perfil de profundidade, com fertilidade de solo em profundidade, descendo cátions, melhorando a fertilidade geral, melhorando a produtividade da soja, melhorando a produtividade do milho, melhorando a reciclagem de nutrientes. Penso que esse caminho da agricultura mais sustentável, com melhor manejo de solos, aumenta a produtividade de todos os cultivos agrícolas. Em milho, especificamente, nós tivemos um aumento de produtividade de 15\% a 20\% a mais pela reciclagem do nitrogênio nas áreas pastejadas quando usamos nitrogênio no inverno. Penso que, se pegarmos o que aconteceu com milho, aconteceu com soja, e usarmos esses mesmos conceitos no algodão, teremos um solo coberto, sem invasoras, diminui pragas, diminui doenças, vai melhorar a qualidade de fibra, e melhorar a reciclagem de nutrientes e o perfil. Então, espero que a produtividade de algodão seja bastante favorecida pelo sistema. E que se consiga a mesma coisa que com o milho, 15\% a 20\% de aumento de produtividade.
P.: Quais seriam as dificuldades para implantar essa integração?
R.: Nós tivemos projetos de integração lavoura x pecuária em algumas unidades de pesquisa bem montadas e que tinham medições como: pesagem dos bois todas as semanas, análise de solos duas ou três vezes por ano, georeferenciamento. Quando usamos essas unidades de pesquisa para fazer os dias de campo, mostrando para os produtores, muitos deles adotaram. Então, em algumas regiões, onde tínhamos unidades de pesquisa a integração andou mais ligeiro. Andou mais ligeiro também quando o produtor não tinha opção pós-soja. Por exemplo, da metade do estado para baixo, onde não dá milho safrinha, e onde trigo não estava com rentabilidade boa, penso que a integração andou bastante. Outra situação que a integração andou bastante é quando se coloca agricultura para reformar pastagem degradada. Também havia unidades no arenito de reforma de pastagem degradada com agricultura. Nessa situação a integração também passou a aumentar numa proporção maior. Algumas outras regiões, por exemplo, Cambará-PR, nós nunca tivemos uma unidade de pesquisa de integração, nunca tivemos um dia de campo de integração, nunca mostramos os resultados. Então o produtor vem, olha a palestra, vê os resultados, vê que está acontecendo alguma coisa em outra região, mas aqui está atrasado em relação a outras regiões. O que penso que é bacana é quando conseguimos montar uma unidade de integração lavoura x pecuária bem montada, e coloca algodão, feijão, soja, no mesmo sistema e começa a mostrar que as produtividades podem ser altas, e começa a validar isso no campo com o produtor vendo, aí um copia do outro e a coisa anda. Infelizmente temos uma capacidade limitada de fazer pesquisa, A equipe é pequena, os ensaios de integração são ensaios grandes. Por exemplo, a unidade de Xambrê tem 32 hectares de ensaio, não é um ensaio de 5 mil metros. São 32 hectares com mais de 100 animais, balança, bem estruturados. A integração virou lei, tem a questão de incentivo, de ser agricultura conservacionista, de estar dentro de programa ABC, está crescendo, as dificuldades que tínhamos no começo de falar para o produtor que conseguíamos produzir 30 arrobas por hectare não existe mais, de falar que o boi não compacta solo se for bem manejado também não existe mais. Estamos avançando com tecnologia e estamos difundindo. Agora, não é muito fácil no Brasil, o produtor que só é agricultor, de repente começar a utilizar a mesma tecnologia que ele usa em algodão, que usa em soja, começar a usar em pastagem. Usar adubo nitrogenado, manejar bem a pastagem, colocar cerca elétrica, respeitar alturas de entrada e saída, suplementar, não suplementar, comprar boi de alta qualidade, cruzado. É todo um grupo de tecnologias grande, que tem que ser reunido num sistema de produção lógico, claro, objetivo, e quem tem uma finalidade clara de ganhar dinheiro, com boi, com soja, com algodão, com feijão, de uma forma muito organizada.
P.: Então se pode afirmar que a integração não é apenas um conceito?
R.: Costumo dizer que apesar de chamar uma tecnologia de integração de lavoura x pecuária, na verdade tem mais de trinta anos de tecnologias, de várias tecnologias, desde o plantio direto, ao cruzamento industrial, suplementação de bovinos, pastejo controlado, uma infinidade de tecnologias que foram reunidas dentro de um sistema que tende a ser sustentável e mais produtivo. É um pouco mais complexo, mas eu penso que vai crescer muito, porque é um caminho de sustentabilidade. Não consigo enxergar não fazer isso em algumas regiões que vão ficando com o solo mais depauperado, mais pobre, com menos matéria orgânica. Eu não consigo enxergar de pensarmos uma produtividade muito alta com solo ruim. Penso que temos um caminho longo para andar, e que algodão, feijão, milho, soja, todas as culturas podem se beneficiar de um sistema mais sustentável, mais produtivo, com investimento maior em sustentabilidade ambiental, mas uma sustentabilidade visando alta produtividade.
P.: Você fala muito em suas palestras que o mundo está mudando. Olhar para essa colheitadeiras de algodão aqui no Paraná mostra que realmente está mudando?